Wednesday, April 21, 2010

Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade

Thursday, April 01, 2010

Medicilina

Um mau jeito num ombro e uma espécie de estalar do osso, causados num treino, levaram-me ao hospital logo pela manha.
Uma hora e meia depois fui atendido pelo médico, quando só tinha cinco pessoas à minha frente. O mesmo pediu-me três movimentos com o braço e escreveu. Escreveu, escreveu, escreveu e receitou-me uma injecção que eventualmente me iria provocar um "aquecimento" pelo corpo.
Já na enfermaria colocaram-me um tubo na mão e duas injecções de cerca de 15cm estavam prontas a entrar no meu organismo. A primeira causa desconforto e a segunda queima-me literalmente o estômago e faz-me perder os sentidos quase instantaneamente.
Volto a acordar, colocam-me na maca de pernas para cima levam-me para o corredor e activam a protecção lateral de ferro porque estava desorientado e queria sair dali.
Chamei a enfermeira e expliquei-lhe que só me tinha magoado no ombro e queria um RX para confirmar, e que em vez disso estava deitado numa maca, num corredor, com um tubo espetado na mão, depois de ter perdido os sentidos. A mesma disse-me que só podia sair quando o médico me desse alta.
Depois de mais uns minutos intermináveis à espera, chamo outra enfermeira e vou falar directamente com o médico, que depois de me ouvir por breves segundos me diz "Então vamos tirar um RX"...
Três horas e meia depois, o médico observou o resultado e segundo o mesmo não tinha nada, era apenas uma lesão muscular.

Valeu pela experiência eutanásica.