Wednesday, October 13, 2010

Crónica de Uma Juventude Anunciada


Lembro-me de há trinta anos atrás... Gostava de sair com os amigos, cometer algumas loucuras, vestíamos o que estivesse à mão, andávamos na rua, conversávamos, discutíamos, abraçávamos e isso era tudo.
Às vezes tocávamos as estrelas entre música e fumo. Outras vezes reuníamo-nos e reflectíamos sobre o que nos rodeava, sobre as árvores, o capitalismo, o tempo, o concerto passado. Tinhamos tempo para pensar, para partilhar ideias, para ver e para sentir.
Hoje tenho dois filhos. Ambos tentam poupar para poderem ter o melhor telemóvel. Gostam de internet, onde falam sobre tudo. Gostam de sair à noite com as melhores roupas e têm uma obsessão pelos seus cursos. Querem ter um bom emprego. O Luís quer ser arquitecto e a Sofia quer ser empresária. Dizem-lhes que têm de garantir os seus futuros. Devem ter um bom emprego que os deixe bem na vida, para poderem comprar uma casa num sítio agradável e "fugir" desta selva em que nos encontramos. Não vêem as notícias porque são uma seca e quando vêem acreditam em tudo. Não querem pensar no que viram. Apenas se querem despachar e sair rapidamente, onde num café próximo os amigos esperam-nos para conversar sobre o namoro terminado da Joana, o carro novo do Alberto, ou sobre o que a Isabel disse da Cátia.
Será que somos assim tão diferentes?
Às vezes tenho vontade de lhes cortar as gargantas. Não quero mais filhos, nem amigos de filhos. São apenas bonecos.
Foram educados para aceitarem o que lhes dão. Para estarem na moda. Para verem reallity shows e acompanharem-nos diariamente. Para se divertirem, consumirem, seguir tendências criadas por alguém que ninguém sabe.
São parafusos na máquina económica e quando algum salta, é posto de parte e substituído por um novo.
Se lhes perguntarem o que é ter consciência e responsabilidade social, pensam que é o nome de algum videojogo para intelectuais cromos que não sabem "viver a vida".
Continuam a comprar ténis de marca mesmo sabendo que são originários da exploração de asiáticos. A comprar jóias mesmo sabendo que estão banhadas em sangue africano. A seguir "superstars" extravagantes mesmo sabendo que no Mundo ainda se morre de fome.
Tenho vontade de lhes cortar os pescoços. Lentamente de lâmina pouco afiada.
Não votam porque "tásse" melhor na praia, não reinvidicam a não ser que lhes doam os bolsos, não saem à rua porque vão às compras, não conversam porque não vale a pena. Para quê?
Podem não poder mudar nada, mas só o poderem pensar na mudança ou terem consciência do Mundo onde vivem ou poderem fazer escolhas, já é um grande passo.
Estão vazios.
Estes idiotas chanfrados que se vestem e penteiam todos da mesma maneira estão completamente fodidos.
Eu. Eu já sou um cota. Já estou velho e não percebo nada.
Eles esquecem-se que também já fui um jovem. Tinha óculos que me ocupavam a face, calças justas, ía a festivais e dormia onde calhasse, fumava umas e bebia outras.
Um dia mais o meu grupo de amigos e mais tantos outros grupos de amigos, saímos à rua e gritámos Liberdade. E nunca mais fomos os mesmos.

Às vezes apetece-me...

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